Friday 10 December 2010

Makrolexicon, parte I

Para estruturar o Makrolexicon, que anunciei no post anterior, será necessária alguma pesquisa, não apenas minha como dos leitores, para sugestões que tornem esse um projeto mais ambicioso. As palavras nos parecem 'coisas' tão óbvias, tão reais, que nunca pensámos que elas pudessem ser criadas. E das maiores dificuldades com que já me deparei foi sobretudo essa: como criar palavras?

Em "A Origem da Consciência no Colapso da Mente Bicameral" (tradução minha), Julian Jaynes tem um livro de idéias absolutamente apocalípticas e que devia ser lido por todos os que pretendem ter outra perspectiva sobre a origem das religiões, fora de conspirações e coisas do gênero. Mais tarde farei um post sobre ele. Mas logo no início do livro, Jaynes nos fornece algumas dicas sobre a criação da linguagem que penso se mostrarão essenciais. Senão vejamos:

"Metáfora e Linguagem

Falemos então de metáforas. A mais fascinante propriedade da linguagem é sua capacidade de fazer metáforas. Mas isto é minimizar tudo isso! Pelo que a metáfora não é apenas um mero truque extra da linguagem como é comum ser descrita nos velhos livros escolares, mas o verdadeiro assento da linguagem. Eu estou usando a metáfora aqui no sentido mais geral: o uso de um termo por uma coisa para descrever outra porque existe algum tipo de semelhança entre elas ou entre suas relações com outras coisas. Existem portanto sempre dois termos numa metáfora, a coisa a ser descrita - a que chamarei o metaphrand - e a coisa ou relação usada para a elucidar, à qual chamarei o metaphier. A metáfora é sempre um conhecido metaphier operando num metaphrand menos conhecido. Inventei esses termos híbridos simplesmente para fazer eco da multiplicação onde o multiplicador opera num multiplicando.
É pela metáfora que a linguagem cresce. A resposta comum à questão "O que é isso?" é, quando a resposta é difícil ou a experiência algo de único, "Bem, é como --." Em estudos laboratoriais, quando ambos crianças e adultos descrevem objetos absurdos (ou metaphrands) a outras pessoas que não os conseguem ver, usam metaphiers que com a repetição se acabam por transformar em rótulos. A grande e vigorosa função da metáfora é a geração de nova linguagem quando ela é precisa, à medida que a cultura humana se torna mais e mais complexa."

Esse excerto deve servir como introdução. Aqui Jaynes nos anuncia que a metáfora não só se usa como ferramenta linguística como é a verdadeira base de toda a linguagem. E nos adianta dois termos:
- Metaphrand - A coisa/ação/acontecimento/sensação a ser descrita
- Metaphier - A relação utilizada para descrever.
Seguimos com mais um excerto do livro de Jaynes.

"Mesmo uma palavra que soe tão pouco metafórica quanto o verbo 'to be' (ser e/ou estar) foi gerado por uma metáfora. Ela vem do Sânscrito bhu, "crescer, ou fazer crescer," enquanto que as formas inglesas de 'am' e 'is' evoluíram da mesma raíz que o Sânscrito asmi, "respirar". (...)
As palavras abstractas são moedas antigas cujas imagens concretas, no atribulado dá-e-toma da conversa se gastaram com o uso. (...)
Porque durante nossas breves vidas nós captamos tão pouco da vastidão da história, tendemos a pensar na linguagem como algo sólido como um dicionário, de uma permanência granítica, em vez do mar sem descanso de metáfora que na realidade ela é. (...) Mas se alguma vez atingirmos uma linguagem que tenha o poder de exprimir tudo, então a metáfora não mais será possível. (...) O léxico da linguagem é, então, um conjunto finito de termos que através da metáfora conseguimos esticar até um conjunto infinito de circunstâncias, criando mesmo novas circunstâncias. "


E agora para dois termos essenciais para completar uma metáfora e portanto criar linguagem - os paraphiers e paraphrands.

"Paraphiers e Paraphrands

Se olharmos com maior cuidado para a natureza da metáfora (notando a natureza metafórica de quase tudo o que dizemos), nós descobrimos que é composta de um metaphier e metaphrand. Existem também na sua base as mais complexas associações metafóricas ou atributos do metaphier, aos quais chamarei paraphiers. E esses paraphiers se projetam no metaphrand naquilo que eu chamarei os paraphrands do metaphrand. Algo confuso, mas absolutamente necessário se quisermos ser claros sobre nossos referentes. (...)
Considere a metáfora que a neve cobre o chão num manto.
O metaphrand é algo acerca da plenitude e mesmo grossura com que o chão é coberto de neve. O metaphier é o manto cobrindo uma cama.
Mas as nuances agradáveis desta metáfora estão nos paraphiers do metaphier, manto. Estas são sobre proteção, aquecimento e sono até o acordar. Estas associações de manto então se tornam automaticamente as associações ou paraphrands do metaphrand original, a forma como a neve cobre o chão. E assim criámos através desta metáfora a idéia da terra dormindo e protegida pela neve até seu acordar na Primavera. Tudo isso empacotado no simples uso da palavra 'manto' para descrever a forma que a neve cobre o chão."

Portanto:
- Metaphrand - A coisa/ação/acontecimento/sensação a ser descrita - Neve cai no chão.
- Paraphrands - Associações feitas a partir do metaphrand - a forma como a neve cai.
- Metaphier - A relação utilizada para descrever - Neve cobrindo o chão como o manto cobre uma cama.
- Paraphiers - Sensações provocadas pelo metaphier - proteção, segurança, aquecimento, etc.

E assim sugiro isso como ponto de partida para a criação de cada palavra. Cada palavra deve ser entendida, antes de mais como uma metáfora de uma realidade percepcionada. Olhemos outra metáfora, de Camões:

"Amor é fogo que arde sem se ver"

Você pode descrever um amor que sente/sentiu de outra qualquer maneira, mas o que aqui importa é a descrição de amor dada pelo poeta. Portanto:

- Metaphrand - Amor.
- Paraphrand - A forma como se sente o amor.
- Metaphier - Amor como fogo invisível.
- Paraphier - Calor, segurança, conforto, dor.

Precisamente nos paraphiers do metaphier reside a força da metáfora. Porque o fogo, podendo ser algo que dá aquecimento e conforto, pode também se tornar uma força destrutiva, que consome.

Mas você pode dizer: isso são apenas palavras. Eu lhe respondo que talvez não. Porque pensamos pela palavra, e se estivermos ela em nosso controle, controlamos o pensamento. Como diz Jaynes em seu livro:

"(...) mudanças de palavras são também mudanças concetuais e mudanças concetuais são mudanças comportamentais. Toda a história das religiões e política e mesmo ciência é testemunha disso mesmo. Sem palavras como alma, liberdade ou verdade, o aparato dessa condição humana teria sido preenchido com diferentes papéis, diferentes clímaxes. E assim também com as palavras que temos designado como hipóstases pré-conscientes, que pelo processo gerador de metáforas ao longo dos séculos se uniram naquilo que chamamos operador da consciência."

Portanto já temos alguma noção de como criar palavras. Agora outra parte: como as tornar em linguagem corrente? Em Caminho Crucial, um dos livros de Buckminster Fuller, ele refere a história de um rapaz de dez anos chamado Michael que lhe escreveu uma carta perguntando se ele se achava "um fazedor ou pensador." Ele respondeu o seguinte:

"Caro Michael,
Muito obrigado pela sua carta mais recente dizendo respeito ao tema "pensadores e fazedores."
As coisas a fazer são: as coisas que são necessárias fazer; aquilo que você vê que precisa ser feito, e que mais ninguém consegue ver que precisa ser feito. Depois você vai conceber sua própria forma de fazer aquilo que precisa ser feito - algo que ninguém lhe disse para ou como fazer. Isso fará desabrochar seu verdadeiro eu que normalmente se encontra enterrado dentro na personalidade, que adquiriu uma grande camada de comportamentos superficiais induzidos ou impostos ao indivíduo por outros.
Tente fazer experiências de qualquer coisa que você concebe e se encontra intensamente interessado. Não fique desapontado se algo não funcionar. Isso é o que você quer saber - a verdade sobre todas as coisas - e depois a verdade sobre as combinações das coisas. Algumas combinações têm tal lógica e integridade que elas podem funcionar coerentemente apesar de elementos no seu sistema que não funcionam na perfeição.
Quando você encontrar uma palavra com a qual você não tem familiaridade, encontre-a no dicionário e escreva uma frase que use essa nova palavra. As palavras são ferramentas - e uma vez que você tenha aprendido a utilizar uma ferramenta você nunca mais o irá esquecer. Procurar apenas o que a palavra significa não é suficiente. Se seu vocabulário é extenso, você pode conter nele pequenos e grandes padrões da experiência.
Você tem o que mais importa na vida - iniciativa. E por causa disso, você me escreveu. estou lhe respondendo no melhor das minhas capacidades. Você encontrará o mundo respondendo às suas sérias iniciativas.

Cumprimentos,

Buckminster Fuller."


Sugiro portanto que a idéia de Fuller para as palavras existentes seja aplicada às palavras criadas para e através do Makrolexicon. Para cada palavra nova, para cada nova realidade, você deve fazer uma frase, um poema, ou um texto grande, em que a use. Assim ela passará a fazer sentido.

Me tenho questionado sobre qual a melhor maneira de fazer isso funcionar.
O ideal, penso, seria um site do género desse, com um índice alfabético onde as novas palavras seriam colocadas pelos utilizadores registados.

O problema maior se prende com o fato de eu não ter menor idéia de como fazer uma coisa dessas. Se algum dos leitores souber, e pudermos aplicá-lo a algo como um blogue, que deixe algo na caixa de comentários.

Talvez por agora as novas palavras que começarmos a criar possam ficar pelo twitter. Usando a hashtag (# seguido de palavra) #Makrolexicon, cada um pode lançar uma nova palavra. Cada sequência de vinte palavras será publicada aqui no blogue sobre forma de post.

Para os tweets sugiro a seguinte fórmula:

"#Makrolexicon + PALAVRA (em maiúsculas) + classificação gramatical + definição"

Em matéria de classificação gramatical acho melhor se utilizar a fórmula do dicionário, que opera com abreviaturas: adj. para adjetivo; v. para verbo; adv. para advérbio, etc.

Portanto aqui fica o exemplo de um tweet do Makrolexicon, se o neologismo fosse "verdade":

"#Makrolexicon VERDADE s.f. - conformidade da idéia com o objeto, realidade"

E pronto, por hoje ficamos por aqui. Para inspiração, deixo mais um excerto do livro de Julian Jaynes, sobre o papel dos poetas na antiga Grécia:

"A primeira coisa a dizer acerca deles (poetas) é que eles não são simplesmente poetas como hoje os vemos. Como grupo, eles são algo como os seus contemporâneos profetas de Israel, professores sagrados de homens, chamados por reis para resolver disputas e liderar exércitos, se assemelhando de alguma forma suas funções aos xamãs das culturas tribais contemporâneas".

1 comment:

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