Sunday 14 November 2010

Manifesto Para o Assalto à Realidade

«Vamos dar algo à cultura que ela não seja capaz de engolir»
Grant Morrison

Posso dizer que este blog foi criado em particular para este post. Após a leitura de 'Os Invisíveis', como já aqui tive oportunidade de dizer, um multiverso de coisas parece ter explodido em minha mente. A mente foi reabastecida, rejuvenescida, renascida. Sentiu vida.

Como Neo, tomei o comprimido vermelho e desde então comecei caíndo, rapidamente, na toca do coelho. Diria que não terei ainda ido muito longe, mas Morrison me trouxe Robert Anton Wilson, que trouxe Leary, Alfred Korzybski, Buckminster Fuller, McKenna, Crowley e muitos mais.

Essa palestra de Morrison me introduziu ao conceito de mágicka crowleyana, e todo um multiverso se abriu perante mim. Foi então que li numa entrevista de Terence McKenna o seguinte trecho:

«Nós precisamos criar uma linguagem emocional mais rica (...) Tem havido períodos na língua inglesa em que certas emoções não existem mais, porque as palavras para as descrever se perderam. Isso chega muito perto daquela noção de que nossa realidade é criada pela linguagem. Conseguiremos recuperar uma emoção perdida, através da criação de uma palavra para ela? Existem cores que não existem mais porque as palavras se perderam. Estou pensando por exemplo na palavra "jacinth", que descrevia um certo tipo de laranja. Quando você sabe a palavra "jacinth", você sempre é capaz de reconhecer a cor, mas se você não a tem, então essa cor é apenas um laranja mais escuro. Nós nunca tentámos evoluir nossa linguagem conscientemente, apenas a deixamos evoluir, mas hoje temos esse nível cultural e de perceção onde podemos planear quando as novas palavras devem ser geradas. Existem áreas onde nos devíamos livrar de certas palavras, pois elas fortalecem o pensamento politicamente errado. Os propagandistas e fascistas já compreenderam isso, eles sabem que se você tornar algo "indizível", isso o torna também impensável. (...) Portanto a evolução planeada da linguagem é o caminho para o qual acelerar na direção de expressar as fronteiras da consciência

O que esse texto despertou em mim várias coisas: primeira - me fez lembrar todo o semanticismo referido por Robert Anton Wilson deixado por Korzybski, do E-Prime. O E-Prime pode se considerar como a primeira tentativa consciente de fazer evoluir a linguagem. Quando você começa utilizando o E-Prime, primeiro na escrita e depois na oralidade, você experiencia um aumento da inteligência.

Segunda: Essa coisa de os propagandistas e fascistas já terem compreendido a importância do controle da linguagem. Aí você lembra da Novilíngua (Newspeak) de 1984 e compreende o quão assustador se pode tornar o controle da linguagem.

Terceira: A questão da realidade criada pelas palavras. Qualquer pessoa bilíngue que esteja lendo o blog lembrará quão difícil se torna tentar explicar para alguém que fale outra língua - que não o português - a palavra saudade. Mas você, com a linguagem operando em seu cérebro, sabe as sensações que a palavra evoca. Já uma pessoa que fale japonês, inglês ou mesmo espanhol - uma língua semelhante ao português - não. Podemos ir mais longe: a linguagem pode definir mesmo a forma de viver de um povo. Veja nisso, pouca gente gosta de estar só. Eu acho que isso não é um problema do animal humano, mas da linguagem. Na língua inglesa existem duas palavras para definir o ato de estar só: loneliness e solitude. Loneliness equivale exatamente à "solidão" presente na língua portuguesa, uma coisa terrível, exasperante. Mas e solitude? Solitude simboliza um acto voluntário de estar só, uma coisa positiva, um encontro consigo mesmo. Se isso não define um "povo", o que define então?

Mesmo antes de ler Buckminster Fuller, já tinha tomado uma decisão: abolir do meu vocabulário o verbo acreditar e crença. Porque "acreditar" implica assumir uma verdade sem qualquer prova. Como "acreditar em Deus". Posso admitir a possibilidade da existência de Deus, mas não posso simplesmente acreditar. Posso confiar em alguém, acreditar não.

Não sou crente portanto. No entanto, acho esse trecho bíblico uma das passagens literárias mais poderosas de todos os tempos:


"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas coisas foram feitas por meio dele; e sem ele nada do que foi feito se fez. nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam."

Na tradução portuguesa, a palavra logos aparece traduzida como Verbo, quando aliás, devia vir como Palavra. Como na versão da bíblia de King James, por exemplo:

"In the beginning was the Word, and the Word was with God, and the Word was God. The same was in the beginning with God. All things were made by him; and without him nothing was made. In him was life, and life was the light of men. And the light shineth in the darkness, and the darkness comprehended it not."

Exclua desse trecho bíblico as considerações religiosas e pense nele livremente. O que nele me supreende é a possível noção de que a palavra equivale a Deus. Não à divindade da mitologia cristã, mas uma força universal. Para mim essa passagem diz respeito não ao nascimento/aparecimento de Deus (como divindade) mas ao aparecimento da linguagem nos humanos, e como ela se tornou Deus, uma força invisível e que, sem ela, nada poderia ser feito. E se cada palavra for um deus?

Um dia desses, abri o I Ching para colocar uma questão que todos nós colocamos a nós mesmos : "Qual é o meu propósito nesta vida?". O livro me respondeu com o Hexagrama 7, "O Exército". Não acredito no I Ching, mas minha mente aberta me permite experimentar. O livro tem sido utilizado pela cultura chinesa por milênios, e sempre que o utilizei se mostrou supreendemente acertado. Aí achei ter compreendido a mensagem.

Reunir um exército. Não literalmente, não um grupo de militares, mas um grupo de pessoas que esteja disposto a lutar por algo, sem que lutar seja recorrer a qualquer violência.

Então lembrei das palavras de Grant Morrison nessa palestra:
"Vamos dar algo à cultura que ela não seja capaz de engolir".

E por fim, eis o que proponho:

O oposto da Novilíngua Orwelliana. Um dicionário ativo, vivo, completo, diário, de todos, para todos. Novas palavras, novos significados, sendo criados, todos os dias, pelas pessoas. Se os fascistas querem limitar as palavras, nós as multiplicaremos ao infinito. Proponho um leviatã lexical, capaz de ultrapassar as barreiras de cultura, raça e nacionalidade. Adoção de palavras de outras línguas que não existam nesta é essencial. Criação de outras palavras, outras realidades, a pedra base desse projeto. A palavra grega para grande é "makros". Para já, lhe chamemos o Makrolexicon.

Agora vocês, amigos que lêem o blogue, entendam isso como uma convocação. Seremos o exército invisível do caos e anarquia, soldados-poetas armados de canetas-armas tendo a realidade quântica como alvo primário? Demoliremos ideologias, demagogias e os demais auto-destruidores sistemas operativos cerebrais? Daremos à cultura algo que ela seja incapaz de engolir?

Se lembre que nosso mundo precisa de novas e boas palavras. Portanto, é caso para dizer...

Benvindos ao apocalipse. Linguístico? Podem apostar.

Quem alinha?


2 comments:

  1. Lembrei do dicionário das emoções obscuras https://noosfera.com.br/o-dicionario-das-tristezas-obscuras/

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