Thursday 17 March 2011

The Buddha is in the park




















Se torna difícil, após e durante a leitura de VALIS, descrever de que o livro se trata. Ficção científica ou especulativa? Tratado filosófico? Talvez ambos?

Seja como for, quando o terminei de ler, houve algo que tive de imediato a certeza - que estava na presença de um grande livro.

VALIS, para começar, se trata do primeiro livro em que vejo o conflito de personalidade do autor espelhado no texto. Com alguns de vocês já devem saber, o personagem principal, de seu nome Horselover Fat, se trata de uma espécie de tradução do nome do autor, Philip K. Dick.

Isso porque muitas das coisas presentes no livro terão acontecido com Dick, entre a "realidade" e a "alucinação". Esse conflito de personalidade começa logo no início do livro e até cerca da página cinquenta, Dick vai se referindo a Horselover Fat ora na primeira pessoa, ora na terceira. Isso porque talvez fosse para ele difícil separar Horselover Fat de si próprio, o que quer que isso seja.

Para quem já leu alguns livros de Robert Anton Wilson e Grant Morrison, VALIS se caracteriza por um autêntico orgasmo de sincronicidades. Como o Synthzoid já mencionou aqui nesse post, começamos (alguns de nós) por ter sintomas de apofenia, algo que Philip K. Dick já devia conhecer bem.

Alguns exemplos disso são, na conversa de Horselover Fat com Dr. Stone, o fato de Fat dizer que as origens da humanidade se encontram perto da estrela Sirius. Já em Gatilho Cósmico, Robert Anton Wilson havia referido a mesma coisa, com base no livro de Robert K. G. Temple "O Mistério de Sirius". Fat refere também a tribo Dogon do Mali como origem do cristianismo, uma vez que eles usam o símbolo do peixe (o Vesica Piscis) etc. Uff. Tem sincronicidade demais. Se eu fosse referir todas a que o livro me leva, estaria aqui séculos.

Mas posso dar como exemplo - e porque também tenho minha dose de apofenia - que Sirius se encontra na constelação Canis Major ou O Grande Cão. Daí lembro que o cão se trata talvez do único animal a ter uma relação especial com o ser humano e que a palavra "cão" em inglês se traduz para "dog" e se lida ao contrário... vira "god". Os mais afetados chegam a pensar que os cães são extra-terrestres enviados para ajudar os humanos, nossos vizinhos num planeta perto de Sirius. Eu, por motivos de sanidade mental, não irei tão longe. Sincronicidade é foda.

Voltando a VALIS, Horselover Fat apresenta uma série de teorias em grande consonância com Os Invisíveis e capazes de deixar qualquer um, como diria, entre o confuso e a sensação de que ele fala de qualquer coisa que parece fazer sentido.

Em primeiro lugar, imagine nosso universo como um computador. Esse computador tem um vírus e o vírus se chama irracionalidade. Numa tentativa de corrigir esse universo, VALIS injeta no universo o "logos", um ser de pura informação e como tal racional, que assume uma simbiose com um ser humano - nesse caso o ser humano se tratou de Jesus Cristo. O "Logos", conhecemo-lo vulgarmente por outros nomes, como o Espírito Santo.

VALIS: "an informational anti-toxin"

Essa percepção de Fat do nosso universo como irracional me assalta todos os dias como contendo uma verdade assombrosa. Só assim se explica que aqueles que se dizem "crentes" em Jesus Cristo não liguem porra nenhuma aos seus ensinamentos morais mas façam antes exatamente o contrário de tudo aquilo que ele tentava ensinar. Só assim se explica que assassinemos Ghandi, Cristo e John Lennon e se venere Bush, Khadafi e Hitler. Que há algo de irracional nesse universo me parece coisa certa. Por assim dizer, Cristo se carateriza como um antivírus contra a irracionalidade.

«The Empire never ended»

Mas continuando: segundo Fat, após a morte de Cristo, o "plasmate" (o Logos) escapou do "Império" e se refugiou em Nag Hammadi até 1974 de onde terá saído para destronar o representante do "Império" Richard Nixon, com o escândalo Watergate. Também de acordo com Fat, o tempo só recomeçou em 1974.

A queda do Império Romano também se encontra referenciada nessa série de vídeos de Terence Mckenna. Mais sincronicidade e apofenia.

Acho essa noção do Logos como um ser de pura informação que terá saído de Nag Hammadi "angry as a mother fucker" muito curiosa. Pois acontece que dois anos depois, em 76, Steve Jobs funda a Apple e hoje, em 2011, não podíamos estar mais num mundo de pura informação que esse. E um mundo onde há mais informação, pode dizer-se, trata-se de um mundo mais racional. Será coincidência apenas que a internet tenha ajudado a despoletar revoluções no Egito, Tunísia e Líbia; que o Wikileaks esteja tendo um papel essencial na divulgação de crimes governamentais? Talvez a loucura de Dick e Horselover Fat fosse antes uma "super-sanidade".

VALIS dava matéria para dezenas de posts, talvez dê ainda. Mas nesse momento em que escrevo o post não consigo retirar na cabeça as fantásticas teorias de Fat, que quase tornam o cristianismo uma religião interessante. Penso que à semelhança de Fat, que vive nesse túnel de realidade em que tudo isso parece fazer sentido, também outras realidades existem neste mundo, na cabeça de cada um.

Já vivi num túnel de realidade paranóico, pessimista, crente que existiam uns Illuminatti que tinham um plano secreto para dominar o mundo e instalar uma "Nova Ordem Mundial". Alguns de vós poderão mesmo viver parcialmente nesse túnel, mas tenho de dizer, prefiro esse em que hoje vivo.

Ele se descreve assim: satírico, otimista, com a consciência de que todas as realidades devem se entender como relativas e nunca absolutas. Que a morte deve ser entendida como inevitável parte da natureza e não a devemos julgar pela informação que dela obtemos por nossos sentidos. Tenho, sobretudo, esperança na humanidade. Como McKenna, como Morrison, como Dick. Esperança na abolição do sofrimento e no derrube desses mundos que chamamos de nações e que nos unamos de novo como irmãos que somos e sempre fomos, do mesmo passado para o mesmo futuro. A internet veio para nos unir, e desta vez o Império não nos conseguirá separar.

O Buda está aqui, e desta vez, somos muitos.

2 comments:

  1. Ótimo texto!

    O que me chama a atenção é toda a questão do “Império”, tanto ele quanto a “Prisão de Ferro”, não devem passar de aspectos psicológicos que a gente – humanidade – compartilhamos, o próprio medo de emancipação mental.

    Como todos nós somos vetores deste “vírus”, a presença do plasmado nos faz reagir, é instintivo, quando observamos teóricos da conspiração criarem antagonistas, nada mais é que um discurso de legitimação dos nossos anseios, é o processo inverso da apofenia saudável que algum de nós experimentamos.

    Eu acho incrível a quantidade de informação que existe hoje, informação não muito diferente de uma vacina inoculada em nosso corpo, protegendo a gente da ignorância, seguindo um preceito budista, dor nós, em nosso estágio larval, sempre vamos sentir, faz parte da dita “condição humana”, mas sofrimento, graças a difusão do “logos”, poderá ser evitado.

    http://nerdevils.wordpress.com/author/synthzoid/

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  2. Poderá isso do "Império" e da "Prisão de Ferro" serem sinônimo também dos tais "circuitos inferiores" dos quais fala o Timothy Leary? Os circuitos básicos, mamíferos, territoriais? Ou poderá significar a "Prisão de Ferro" uma prisão também dos sentidos?

    Acho curioso o aspecto psicológico de que voce fala. Lembra-me o inconsciente coletivo de Jung. Essa coisa de que quando você nasce, antes de adquirir sua personalidade, já tem algo por trás, comum a toda a espécie - mas nós, vivendo ainda a ilusão da "consciência", nos julgamos indivíduos, independentes de todo o mundo.

    Essa capa aí de cima de VALIS e as oscilações de personalidade do Dick me lembram muito estados dos quais já li e outros que já senti meditando. Essa coisa chamada de "out-of-body" experience que alguns yogis falam, a sensação de você se sentir na terceira pessoa, nunca senti - mas há quem já o tenha sentido. O que já senti sob meditação foi a sensação de perda de corpo. De não saber onde estavam pernas, braços, tudo. Foi foda. E faz você pensar: "Que merda foi essa?"

    Essa de sermos todos vetores do vírus me lembra sabe o quê? Os agentes do Matrix. Cada pessoa na Matrix parece normal até que vira um agente. E se o agente Smith (e sua propagação) me parece ir muito de encontro a isso de que agente tá falando. Gosto dessa sua frase do "discurso de legitimação dos nossos anseios", me lembra do "wishful thinking" inglês, só que depois tem também o que eu chamo do "wishful unthinking", que são essas merdas do subconsciente que você vê propagadas por todo o lado. Já reparou que o número de filmes "apocalípticos" no sentido catastrófico "é" bastante superior ao de filmes utópicos? E que mesmo nos filmes ditos utópicos, as utopias parecem esconder sempre algo de falso, criminoso?

    Para não referir novamente os filmes/videojogos/ livros em que máquinas são os grandes inimigos da humanidade. Veja a saga do Exterminador do Futuro, o I Robot, o Eagle Eye, o Matrix, o videojogo Portal, o Battlestar Galactica... Há aqui claramente um padrão subconsciente. Das poucas sagas em que vejo as máquinas bem representadas é no Star Wars. São neutras. Programadas. Não fazem mais do que aquilo para o qual as programaram. O mal, o verdadeiro mal, o "Dark Side", está nos humanos e outras raças andromórficas.

    Vou colocar aqui no próximo post um vídeo que acho que vale a pena discutir. Tentei fazê-lo no Ted Talks mas cada vez mais acho a caixa de comentários de ali uma espécie de Youtube para o hipster intelectual - tipo eu. E vem de encontro a isso que a gente tá falando, nosso estado larval, informação e etcetera.

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